Um provinciano passeia-se por Paris
É engraçado como o termo identidade causa engulhos quando é aplicado a outros que convivem connosco em situação minoritária, porém enverga-se com um orgulho faminto quando é invocado por “nós”.
Ouvir Pedro Rosa Mendes a falar da importância de vincarmos uma identidade “nossa” em França – e quem diz França, diz o mundo! – elencando diversas contribuições culturais que por lá são cada vez mais apreciadas, como se fossem pedaços da alma nacional trasladados para o marketing cultural, fez-me pensar na irredutibilidade desse termo incómodo.
Primeiro, porque estando sob o fogo cerrado dos antifundacionalismos metodológicos, a identidade passou a querer dizer isto e aquilo, sendo que critérios para defini-la escasseiam. Mas a identidade resiste às análises, mesmo as mais desconstrucionistas, e persiste nas invocações. É aliás aí que ela medra, sem necessitar de recorrer a fundamentações lógicas ou analíticas.
Por exemplo, Gonçalo M. Tavares passa, através desta alquimia da invocação, a ser um representante da identidade nacional lá fora, nas terras de França, onde, segundo PRosa Mendes andaria ela – a identidade nacional – amesquinhada em virtude das gentes da imigração. Portanto, a uma identidade amarfanhada que não se usa na lapela pelos esconsos do Quartier Latin, contrapõe-se um émulo erudito que não envergonha ninguém.
E todavia, se escritor há que menos se vincula a uma (putativa) identidade nacional esse será com certeza M. Tavares. Tirando o facto de ser português, de escrever em português, e de editar primeiro os seus livros nesta língua, nada na obra de M. Tavares remete para uma identificação lusa inequívoca. Diria mais: M. Tavares poderia bem chamar-se Thomas Schwartz, e viver numa casinha nos arredores de Baden, ou Miroslav Krakinsky e ser professor de escrita criativa em Cracóvia, que ninguém daria pela diferença. Mas PRosa Mendes insiste que os prémios, as celebrações, as efemérides, o reconhecimento, enfim, da produção cultural de alguns (excelentes) criadores nacionais fazem mais pelo património da nação do que as “fintas no futebol”. Ora se, relativamente a um Lobo Antunes ou a um Rodrigo Leão esse património até é identificável, já em M. Tavares a ligação me parece duvidosa; tanto ou mais quanto com as “fintas do futebol” que pelo facto de serem feitas por um gajo chamado Cristiano Ronaldo não as torna mais nacionais.
Daí que, dando de barato a existência de uma coisa chamada identidade nacional e que até pode ser divulgada, nem tudo o que é produzido, praticado ou dito por um natural da nação remete para um caldo cultural identificável segundo uma qualquer especificidade histórica construída. E isto, independentemente do reconhecimento merecido angariado em palcos internacionais.
Essa do M. Tavares se poder chamar Thomas Schwartz está mesmo muito boa. Apesar de tudo acho que estás a ser injusto para o Schwartz. É verdade, o estilo é parecido, mas o Thomas escreve melhor.
Fica bem,
bruno.