Michael Kohlhaas
Alguma diferença fundamental entre o Kohlhaas de Deleuze e o de Eagleton? Para o primeiro, Kohlhaas representa uma linha de fuga: a rebeldia de Kohlhaas excede a máquina-Estado e as suas sobrecodificações legais. Para o segundo, a rebeldia de Kohlhaas é uma exigência de justiça excessiva na sua inflexibilidade, na sua impossibilidade reparativa. Ambos salientam o excesso de Kohlhaas – aquilo que existe nele mais do que ele próprio. Eagleton explica que é o confronto com o Real. Deleuze adverte que o movimento de Kohlhaas é equiparável ao do terrorista, sem com isso subentender nenhuma crítica.
O que mais me impressiona em Kohlhaas, não é o próprio Kohlhaas, mas as pessoas que o acompanham no seu impulso destrutivo. Certamente que há um excesso em Kohlhaas. Porém, esse excesso pode sempre ser justificado por um sentimento de profunda injustiça, de necessidade de reparo absoluto, de reposição da verdade inicial seja ela qual for. Uma tal necessidade move Kohlhaas, e ela é apesar de tudo, racional. Mas o que move os companheiros de Kohlhaas, os miseráveis, os bandidos, os fora-da-lei que a ele se vão juntando na sua gesta justiceira? Um sentimento de justiça ferido? Mas em relação a quê?
No caso de Kohlhaas nós temos uma causa material, a justiça tem a sua substância, mas como ela é sucessivamente subvertida – por afinidades electivas, pela manipulação dos poderosos, manipulação simultaneamente material e espiritual, como será mais tarde o caso da intervenção do próprio Lutero – Kohlhaas é obrigado, subsequentemente, a elevar a parada. Ele é um herói – quanto a isso não há qualquer dúvida. Chega inclusivamente a ser visto como tal. Mas o que dizer do seu batalhão de arruaceiros e bandidos cuja finalidade destrutiva não é directamente encaminhável para uma causa objectiva? Actuarão aqui as forças da destruição pura? O niilismo absoluto terá o rosto do seu exército de assassinos?